A misteriosa empresa de Malta por trás do ‘Jogo do Tigrinho’

“Conseguiram acabar com a minha vida. Arrecadam dinheiro às custas de roubar tudo o que a pessoa tem, isso quando não leva a vida também.”

Esses comentários — e dezenas de outros — aparecem em postagens da empresa de softwares PG Soft, sediada em Malta, um país insular no sul da Europa. Há muitos comentários de brasileiros, mas também de pessoas de diversos países do mundo, como Tailândia, Indonésia, China, Filipinas, Paquistão e Coreia do Sul.

A PG Soft é a empresa criadora do Fortune Tiger, o jogo de apostas no celular que no Brasil é conhecido como Jogo do Tigrinho e virou uma febre — e que também está no centro de dezenas de investigações sobre golpes.

O game é um caça-níquel para celulares e para jogá-lo é preciso entrar em uma casa de aposta (as chamadas “bets”) que o ofereça. No Brasil, isso era ilegal até dezembro de 2023, porque jogos de caça-níquel eram proibidos. Os jogos em máquinas de caça-níquel em máquina seguem proibidos por lei, mas os jogos de caça-níquel para celular foram liberados pela lei 14.790 de dezembro do ano passado.

Mas o que fez o jogo se popularizar mesmo no Brasil ao longo dos últimos dois anos foi que ele viralizou nas redes sociais, graças a influenciadores que promovem “táticas especiais” para se vencer no jogo.

Investigações policiais revelaram que muitos desses influenciadores estavam agindo, na verdade, sob a orientação de criminosos que promoviam golpes usando o jogo (leia mais abaixo em detalhes como funciona o golpe).

Essa promoção nas redes sociais por influencers fez com que o jogo chegasse a milhões de brasileiros em todo o país.

Em Alagoas, a operação Game Over prendeu cinco influencers que promoviam golpes do Jogo do Tigrinho e ostentavam carros como Porsche, Pajero e Land Rover, que foram apreendidos pela polícia. Houve operações semelhantes em Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais e Pará.

A escala de alguns golpes é impressionante. Um delegado no Alagoas contou à BBC News Brasil que um único influencer preso no Estado conseguiu arrecadar R$ 38 milhões com golpes.

As vítimas são de todas as classes sociais — desde beneficiários do Bolsa Família a médicos e empresários. Uma das vítimas chegou a perder R$ 730 mil jogando o Jogo do Tigrinho falso.

O Jogo do Tigrinho falso costuma ser apenas uma versão de demonstração do jogo. O apostador pode achar que está ganhando ou perdendo, mas na verdade aquilo que acontece no jogo falso não se traduz em lucros ou prejuízos.

Ao tentar sacar o dinheiro depositado com supostos lucros, o usuário percebe que não há nada a ser sacado, pois seu dinheiro foi roubado.

A BBC News Brasil não encontrou indícios de que a fabricante PG Soft tenha qualquer participação nos golpes. Mesmo assim, suas redes sociais estão inundadas com reclamações de usuários que perderam dinheiro com o jogo, ou que ganharam mas não conseguiram sacar seu lucro.

A empresa nunca se pronunciou oficialmente sobre os golpes que vem sendo dados usando seu jogo como isca. E também não deu respostas às dezenas de pessoas — brasileiros e estrangeiros — que reclamam nas suas plataformas.

Recentemente a PG Soft colocou no ar uma ferramenta para auxiliar usuários a se certificarem que estão jogando uma versão oficial do jogo.

“Não deixe que jogos falsificados estraguem sua diversão — continue com a experiência confiável da PG Soft®”, diz a postagem da empresa, em inglês.

A BBC News Brasil tentou entender quem é a empresa por trás do Jogo do Tigrinho — e como a popularidade do jogo no Brasil se encaixa no modelo de negócios.

A empresa tem lucrado com o jogo no país? A empresa tem algo a falar sobre as diversas reclamações de jogadores no Brasil e no resto do mundo?

A PG Soft não retornou nenhum dos nossos contatos.

A BBC News Brasil obteve documentos referentes à PG Soft e conversou com especialista no mundo de jogos de azar por celular, autoridades no Brasil que investigaram o jogo para entender o fenômeno.

O que é o Jogo do Tigrinho?

O Fortune Tiger, ou Jogo do Tigrinho, é um jogo de caça-níquel para celular — com cores bastante chamativas, uma alegre música oriental e um carismático tigre animado.

Semelhante aos jogos de caça-níquel tradicionais, o jogador não faz nada além de apertar um botão. O botão faz girar três “rolos” na tela — cada rolo com símbolos diferentes, como tangerinas, potes de ouro ou joias. Quando os rolos param de girar, é possível ver nove símbolos na tela, exibidos em três linhas com três colunas.

Caso haja algum alinhamento de três símbolos semelhantes, o jogador ganha um pouco de dinheiro. O jogo também possui multiplicadores aleatórios. Às vezes, o jogador é brindado com um desses “presentes”, e seu lucro pode ser multiplicado por dez vezes – um dos grandes atrativos do jogo.

Games como o Jogo do Tigrinho são conhecidos como RNG, sigla em inglês para gerador de números aleatórios. Na prática, é uma loteria pura e simples: o software do caça-níquel está gerando números e distribuindo prêmios aleatoriamente.

Uma coisa importante a se falar sobre o Jogo do Tigrinho é que, no longo prazo, os jogadores sempre sairão perdendo. Isso acontece com todos os caça-níqueis, sejam eles de celular ou em cassinos de verdade. As promessas de influenciadores que aparecem na internet de ganho sustentável são falsas.

O próprio Fortune Tiger divulga que seu retorno ao jogador (RTP, na sigla em inglês) é de 96,81%. Isso significa que, no longo prazo, quem jogar o Fortune Tiger por muito tempo tende a receber apenas R$ 96,81 para cada R$ 100 apostados.

Jogos de caça-níquel sempre geram perdas aos jogadores no longo prazo — Foto: Getty Images

Jogos de caça-níquel sempre geram perdas aos jogadores no longo prazo — Foto: Getty Images

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